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Homenagem às mulheres – entrevista de Dora Taborda

Hora de cair no samba.

Duas noites por semana, Dora Margarida Cioli Taborda vai ensaiar no Morro Santa Marta, onde canta junto ao Grupo Cênico Musical Ecos do Santa Marta. Ela é nova no grupo, ao qual aderiu depois de dois anos cantando, tocando surdo e tamborim com o Produto do Morro, do Grêmio Recreativo e Escola de Samba ou Granes Quilombo, fundado pelo próprio Candeia, compositor e autor de clássicos como Preciso me encontrar, regravada por Marisa Monte, ou Peixeiro grã-fino.

Há mais de dez anos, a Dora engenheira e especialista em planejamento financeiro, que domina quatro idiomas estrangeiros – italiano, francês, inglês e espanhol, e criou três filhos, se aposentou e literalmente caiu no samba. Foi a hora de dedicar tempo e energia à música, paixão que nunca abandonou, tocando ou frequentando as rodas de bambas. Estudou violão, cavaquinho, canto, instrumentos de percussão. Quando cursou Engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), era a única mulher junto a 124 homens, que formavam as quatro turmas do curso. Trabalhou no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), na Induco, na Mitsubishi e na Embratel. Nesta última ficou mais de 20 anos, até se aposentar.

Depois de quatro casamentos, vive atualmente com um dos seus três filhos, de 25 anos, além de uma amiga a quem hospedou, junto com a filha. Militante de esquerda, precisou viver na clandestinidade durante o período duro da ditadura militar, e mantém até hoje o ativismo políico, agora nas redes sociais. “Faço ativismo virtual. Sou uma voluntária da Anistia Internacional, divulgando o material e as ações da entidade. Faço isso pela rede, mas sinto que preciso fazer mais, presencialmente”.

Quando participou do Granes Quilombo, em Acari, bairro da Zona Norte que tem um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Rio de Janeiro, tentou desenvolver um trabalho comunitário, montar uma oficina com crianças. Não conseguiu mobilização suficiente. E uma enchente, em dezembro de 2013, destruiu grande parte da estrutura do Quilombo de Candeia. Nem por isso, deixou de se apresentar com o Produto do Morro em shows, lançamentos de livros, eventos de samba, até mudar para o novo grupo.

O Grupo Cênico Musical Ecos do Santa Marta, em que Dora agora canta, é uma das iniciativas do Grupo Eco, uma entidade sem fins lucrativo, dedicada a promover e apoiar na Favela Santa Marta, em Botafogo, e, eventualmente, fora dela, atividades e iniciativas que visem o desenvolvimento das pessoas e da comunidade, com atenção especial às crianças e jovens.

Nesse contexto, o Grupo Cênico Musical Ecos do Santa Marta foi criado em 1979 como grupo de teatro, e se transformou em 2003 em um grupo musical, trabalhando com música e poesia. Os ensaios são coordenados pela violonista e poeta Vera Verciani. E, desde 2004, o grupo apresenta o programa “A Voz do Morro” que ocupa trimestralmente a escadaria do Morro de Santa Marta, com música, poesia, vídeo e informação.

A programação de Dora é intensa. Das boas rodas de samba, para quem gosta, ela recomenda a Feijoada da Portela; o Samba do Trabalhador, às segundas-feiras no Renascença Clube, no Andaraí; o Samba Informal Social Clube, na Tijuca, um sábado por mês; e o Nem Muda Nem Sai de Cima, também uma vez por mês, na rua Garibaldi. Além disso, ela fica atenta a apresentações do grupos de tambor de mina e de tambor de crioulo.

Dora não tem problema em andar pela cidade muitas vezes sozinha, inclusive à noite, mas aponta a discriminação que lhe parece evidente. “A gente sofre discriminação. Eu sempre andei sozinha na rua, mas sei que a gente é vista de forma estranha. Vou ao cinema, ao ensaio, voltava onze horas da noite de Acari, mas percebo que as pessoas olham de um jeito diferente. Elas têm tanto preconceito em relação a uma mulher sozinha, que olham para a gente como se a gente fosse muito infeliz. E eu me sinto feliz, me sinto livre, faço o que eu gosto.”

Essa liberdade, diz Dora, não tem nada a ver com solidão. Além de viver cercada de amigos, ela também namora. “Posso namorar mas ele lá e eu aqui. Cheguei a uma fase na vida em que a qualidade da minha relação com as pessoas está muito na troca intelectual. Se não há essa afinidade de visão de mundo, tenho muita dificuldade em conviver. Até gosto do contraditório, da divergência, mas sem essa afinidade básica, a relação vai esvaziando. Tenho muitos conhecidos, mas frequento realmente poucas pessoas”

A discriminação ao fato de ser uma mulher livre, soma-se, na opinião de Dora, a questões relacionadas à idade. A partir dos 50, 60 anos, ela acredita que há uma perigosa tendência de os homens se tornarem mais e mais conservadores. “Claro que não são todos, mas a maioria vai ficando com uma visão de mundo fossilizada, solidificada, estratificada. Sinto no meu dia a dia que, nessa faixa etária, apresentam-se mais preconceituosos e machistas. Razão por que me dou super bem com o pessoal mais jovens e tenho mais dificuldade com as pessoas da minha idade.”

Hoje, Dora continua estudando – canto e violão –, uma vez por semana no Canto pra Viver, escola que fica na Tijuca. “Lá tem também uma roda de samba, toda a sexta-feira, onde a gente canta, toca.” Recentemente, interrompeu o treino no cavaquinho, por conta de um problema ortopédico no dedo. Tentou também aprender a tocar pandeiro e cuíca. “Mas não deu”, reconhece.

A energia solar que mantém Dora em atividade constante, ela atribui, em grande medida, ao exemplo da mãe, Anna. Aos 90 anos, mora em Guapimirim, com uma empregada e um jardineiro, que dirige para ela. “Minha mãe gerencia a própria vida”, conta. “Faz tudo sozinha. Não quer vir para o Rio e já entendeu que eu não quero sair daqui. Fez uma opção de vida muito diferente da minha, quando se aposentou: foi pra roça e resolveu ficar por lá.”

Na roça, mas contemporânea. Dona Anna tem computador, acesso à internet, Facebook, e-mail. É usuária frequentes de sites de comércio eletrônico. “Minha mãe é um exemplo de vida. Apesar da proposta de vida diferente, é um exemplo de independência.”

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