Curso da Vida – Prepare-se para viver melhor

Homenagem às mulheres – entrevista de Nadja Sampaio

Um sonho – ganhar o mundo de motor home

Durante seus 30 anos de trabalho em redações, a maior parte do tempo na editoria de economia cobrindo os setores de varejo e defesa do consumidor, a jornalista Nadja Sampaio precisou enfrentar diferentes embates com representantes do poder empresarial. Mas quando saiu do jornal O Globo, depois de 23 anos cobrindo a área, tinha ajudado a resolver o problema de mais de um milhão de consumidores.

Aos 57 anos, está aposentada, mas ainda trabalha, escreve, e viaja. Com um motor home – motocasa ou autocasa, uma espécie de veículo equipado com uma estrutura doméstica básica, já foi ao Nordeste, à Chapada Diamantina, ao Sul do Brasil ao Pantanal, a Bonito, e a Ushuaia, cidade argentina que é capital da Terra do Fogo. Também com um modelo desse tipo deu a volta em cinco cidades europeias com a filha. E espera agora ir ao Alasca.

Segundo ela, uma fonte importante dessa energia é o Budismo. Decidiu que vai dar a volta ao mundo de motor home, um projeto que inclui conhecer um Kaikan – lugar onde se encontram os budistas para praticar e estudar – em cada um dos 192 países em que o mantra Nichiren Daishonin do budismo é recitado.

“A mulher brasileira é uma grande malabarista”, diz a jornalista. Para ela, no mundo inteiro, são muitas demandas e muitas urgências para garantir às mulheres igualdade de direitos, tranquilidade e respeito na sociedade. Uma batalha que não a desanima. “É importante a gente ter sonhos próprios, não somente de ver os filhos encaminhados. A gente precisa querer melhorar, ter mais energia para fazer trilha, estudar inglês ou outra língua, enfim, as viagens, os desafios, as dificuldades é que nos levam para frente. É preciso idealizar, construir, ajudar outras pessoas, e desfrutar do hoje.”

Curso da Vida – Por quanto tempo trabalhou como jornalista? Cita algum momento marcante?

Nadja Sampaio – Como jornalista, comecei a trabalhar na última fase da revista O Cruzeiro, em 1978. Depois fui passando de um emprego a outro, como muitos nesta profissão. Até que comecei a cobrir a Defesa do Consumidor no Globo, apaixonei-me pelo assunto, e, principalmente, pela possibilidade de ajudar as pessoas. Eu sempre quis fazer jornalismo para ajudar na vida das pessoas, e nada me pareceu tão objetivo. Fazia o possível para que as cartas de reclamação dos leitores fossem atendidas pelas empresas. Criei um banco e dados informatizado para dar transparência ao trabalho e respostas mais rápidas para os consumidores. Quando saí do Globo, depois de 23 anos cobrindo a área, eu tinha respondido e ajudado a resolver o problema de mais de um milhão de pessoas. Isso me dá orgulho do meu trabalho.

CdV– A 8 de março de 2015, Dia Internacional da Mulher, quais as principais demandas e urgências das mulheres no mundo? E no Brasil?

NS – No Brasil falta praticamente tudo para a mulher. Ela está sempre sobrecarregada, com o seu próprio trabalho, com a criação de filhos, com o trabalho da casa, e muitas vezes, com o cuidado de idosos. E cada vez mais, com empregados e faxineiras mais difíceis de se conseguir, e mais caras. O que é uma coisa boa porque isso mostra que, neste setor de serviços, as mulheres estão crescendo nas carreiras, aumentando seus salários, se especializando. Mas falta a infra estrutura para ajudar a todas as mulheres, tanto as da classe média, que hoje já não têm empregada doméstica nos velhos moldes, como para as próprias empregadas e faxineiras, que não têm creches para deixar seus filho e pouquíssimo tempo para estudar e continuar a crescer. É uma vida de desafios, e de dificuldades para definir prioridades, já que são muitas demandas e todas muito importantes. A mulher brasileira é uma grande malabarista.

No mundo inteiro, falta respeito às mulheres de modo em geral, faltam salários iguais para ocupações semelhantes, falta infra estrutura que apoie a maternidade e o cuidado com idosos na maioria dos países em desenvolvimento, falta ajuda para as que sofrem de violência doméstica, falta apoio e ajuda às mulheres negras e pobres, que enfrentam, além de toda a luta, o preconceito e a animosidade da sociedade. Isso sem falar nas religiões e culturas que teimam em definir a mulher como um ser inferior. São muitas demandas e muitas urgências. O mundo está muito longe de dar o devido valor às mulheres. 

CdV – Quais as políticas públicas prioritárias para enfrentar a desigualdade com que a sociedade ainda trata as mulheres?

NS – O básico é o que todos precisamos para uma sociedade mais justa: educação de boa qualidade para todos, mulheres e homens, negros e brancos, pobres e classe média; segurança para todas as pessoas, em todos os bairros e comunidades, sem coronelismo, sem milicianos, com uma polícia educada; saúde pública sem filas, com bons médicos e possibilidade de fazer os exames em pouco tempo. Se isso funcionasse, já melhoraria, em muito, a vida das mulheres na nossa sociedade.

CdV – Na sua trajetória, enfrentou barreiras especificamente pelo fato de ser mulher? Quais? E como as superou?

NS – Não enfrentei dificuldades específicas. No jornalismo tem muita mulher. Digo sempre que onde tem muita mulher é porque se paga pouco. Sempre tive chefes e editoras mulheres. Até antes de chegar ao ‘aquário” [jargão jornalístico para indicar os postos de direção na redação], o lugar onde se manda de verdade no jornalismo. Lá, as mulheres só chegaram há uns dez anos e ainda são muito poucas. Mas as chefes mulheres costumavam ser melhores do que as chefias masculinas. São mais objetivas, mais claras nos pedidos, não pedem tarefas de forma pouco clara para depois dizer que foi você quem não entendeu, assumem mais os problemas, são mais compreensivas com os prazos e a quantidade de tarefas.

É claro que isso não é uma unanimidade. Acho até que a insensatez da quantidade de tarefas pedidas pelos homens está contaminando as chefias femininas e muitas desistem de manter a harmonia e passam a ser apenas reprodutoras de ordens. Isso é muito ruim. No jornalismo, especificamente, a pressa pelo ineditismo da informação está piorando muito o conteúdo da notícia, e poucas são as cabeças que ainda lutam para que a qualidade se sobreponha à rapidez.

CdV – Como avalia a abordagem, na sociedade, do processo de envelhecimento da mulher? E no que essa abordagem se diferenciaria no caso do envelhecimento do homem?

NS – Acho que a mulher se preocupa e se prepara mais para o processo de envelhecimento do que o homem. Ele começa a se cuidar quando as doenças começam a bater na porta, já as mulheres começam a se preocupar antes, com a alimentação, em fazer exames médicos anuais, enfim, tentam envelhecer com saúde. De um modo geral, acho que o assunto “saúde e bem estar” vem ganhando a mídia e a cabeça das pessoas. Mesmo com tanto oferecimento de comida trash, vejo as mulheres um pouco mais preocupadas em comer legumes, grãos, não abusar da carne. Mas as estatísticas nos mostram que as mulheres estão fumando mais e estão mais estressadas. Isso é o preço de entrar de cabeça no mercado de trabalho. A sociedade também cobra mais da mulher um corpo bonito, bem cuidado, a pele firme. A indústria de cosméticos ganha horrores em cima dessas premissas. A mulher é muito cobrada e tem muito mais mulher do que homem no Brasil, o que também ajuda a mexer com a autoestima da mulherada.

Além disso, as mulheres ajudam mais a cuidar dos netos, o que, de certa forma, faz com que ela continue se informando e se reciclando. O homem pode envelhecer mais gordo, menos saudável e sem se preocupar com o futuro. A sociedade ainda o perdoa. Mas as coisas estão mudando e os homens estão percebendo que morrem antes e vivem a velhice pior. Aos poucos eles vão olhando o envelhecimento também de uma forma mais produtiva. O fato é que temos que construir a nossa velhice e não deixar que ela nos pegue na contra-mão da vida.

CdV – Sua especialização em direitos do consumidor deve ter gerado, em alguns momentos, confrontos com fornecedores. Isso aconteceu? Em que medida o fato de ser mulher se refletiu nesses embates?

NS – Tive embates com pequenas e com grandes empresas. Conversei cara a cara com grandes donos de empresas, diretores jurídicos e presidentes de bancos. Eles me ouviram e eu os ouvi, alguns eu aprendi a respeitar e até a gostar. Nunca tive medo. Não sou uma pessoa de ter medo. Quanto maior o cargo, menos eu tenho medo. Enfrentei até mesmo dirigentes d’O Globo. Nunca me preocupei por ser mulher, só precisava estar convicta do que estava defendendo – aí, sai de baixo. A injustiça me deixa muito indignada. Nunca tive medo de ser demitida ou de pedirem a minha cabeça. Aliás, pediram várias vezes. Sempre mantive a cabeça em pé e uma atitude íntegra, e, por ter esta postura, sempre fui muito respeitada.

CdV – Quando você começou a andar por aí de motor home? Conte um pouco dessa história e das viagens mais marcantes que você fez?

NS – Sempre gostei de acampar, de viagens de aventura, de desbravar novos caminhos. Acampei de barraca até nascer a segunda filha. Eu tinha preconceito contra camping organizado, e, por causa do trabalho que o camping selvagem dava, acabei parando. Foi uma bobagem minha. Hoje acho que minhas filhas teriam gostado mais do camping organizado e eu não teria me afastado. O preconceito é sempre ruim e diminui as possibilidades dos nossos caminhos.

No início da década de 80 eu era apaixonada por ter uma Safári, uma kombi com uma casa em cima, onde cabem quatro pessoas dormindo, mas na época não tinha dinheiro. Em 1999 resolvi conhecer a Europa, mas aí o euro disparou e tive que mudar de plano. Um dia, olhando na internet, vi um anúncio de uma Safári e comecei a pensar em comprar uma. Como estava juntando dinheiro para ir à Europa, peguei tudo o que tinha, fiz muitas pesquisas e comprei a última Safári, que foi fabricada em 1995. Com ela fiz muitas viagens. A primeira, pelo Nordeste, com um amigo que nem sabia o que era um motor home. No ano seguinte, em outra viagem, cheguei à Chapada Diamantina, e fui com vários amigos, que foram mudando no caminho. Em outro ano, fui para o Sul como duas filhas e a amiga de uma delas. A última grande viagem foi para Ushuaia, com minha filha e dois amigos. Quase nunca viajo sozinha, não gosto. Mas dá muito trabalho achar companhias que queiram e possam viajar comigo.

Hoje tenho outro motor home, maior, montado em cima de uma F4000 4×4. Com este já fui ao Sul do Brasil duas vezes, ao Pantanal e a Bonito, mas ainda não saí do Brasil, estou louca para atravessar a fronteira com ele. Não tenho nenhum medo, mas também nunca passei nenhum perigo. Costumo parar em postos de gasolina nas grandes viagens e em campings. Mas, várias vezes já fiquei parada em praças, em ruas, em estacionamentos, no Brasil e no exterior. O importante é ter água, gastar pouca energia e não ficar muito tempo parado no mesmo lugar. Também aluguei um motor home na Alemanha e, junto com minha filha mais nova, a que mais viajava comigo, demos a volta em cinco países da Europa. Uma experiência inesquecível.

Agora quero chegar ao Alasca. Não conheço nenhuma outra mulher dirigindo motor home no Brasil. Os motor homes no Brasil são, na maioria, de casais aposentados. Muitos alugam suas casas fixas e passam a morar no motor home durante anos. Existem vários grupos no Brasil que se reúnem mensalmente em seus estados. Muitos casais vão de encontro em encontro, e no caminho, visitam outros lugares. É uma forma inteligente de viver esta etapa da vida e viajar faz com que a gente esteja sempre fora da zona de conforto, e o cérebro trabalha muito mais. É muito fácil viajar de motor home, basta ter vontade e não se importar de enfrentar as adversidades específicas desse tipo de viagem. Por outro lado, não precisa arrumar mala, nem carregar mala, nem fazer reservas e nem precisa carteira especial, a nossa categoria B serve.

CdV – Onde está o seu eixo? Aquela reserva especial que a fortalece e lhe traz paz?

NS– Sou budista do budismo japonês de Nichiren Daishonin, isso faz toda a diferença na minha vida. Daí tiro minha força, minha alegria, meu bem estar físico, meu bom humor. Os budistas se encontram em lugares que se chama Kaikan, ou clube em japonês. Ou seja, o lugar onde os budistas se reúnem para estudar as cartas deixadas por Nichiren Daishonin, para ler as explicações do nosso mestre Daisaku Ikeda e para incentivar e sermos incentivados pelos outros budistas, na nossa missão de ensinarmos o mantra Nam Myoho Rengue Kyo para que outras pessoas também possam alcançar a felicidade, recitando o mantra.

Recito o mantra diariamente. Estou explicando isso porque, nestas viagens, conheci um Kaikan na Alemanha e outro na Argentina. Dessa forma, determinei que darei a volta ao mundo de motor home, conhecendo um kaikan em cada um dos 192 países onde é recitado o mantra do budismo de Nichiren Daishonin. Ano passado fui ao Japão para conhecer de perto a organização Soka Gakkai que propaga o budismo através de uma ONG educacional que tem universidades e escolas em todo o mundo, incluindo o Brasil (em São Paulo).

Quando já estava com tudo planejado para a viagem pelo mundo, tive um problema sério de família, e precisei pegar a guarda de uma tia que tem Alzheimer e foi colocada num asilo, depois de perder a casa e o dinheiro que ela tinha para a velhice, numa trapaça familiar. Agora não posso abandoná-la, mas continuo firme com meu sonho, e vou começar a fazer viagens aos países mais perto do Brasil até que ela não precise mais de mim, e aí me mando para o mundo. E ainda quero arrumar um namorado para começar a viajar comigo.

É importante a gente ter sonhos próprios, não somente de ver os filhos encaminhados. A gente precisa querer melhorar, ter mais energia para fazer trilha, estudar inglês ou outra língua, enfim, as viagens, os desafios, as dificuldades é que nos levam para frente. É preciso idealizar, construir, ajudar outras pessoas, e desfrutar do hoje. Isso, e mais a recitação do Nam Myoho Rengue Kyo, me deixam pronta para todos os dias. Pretendo morrer de tum, ou seja, de alguma forma instantânea, por isso preciso estar pronta para morrer diariamente. E para isso preciso estar de bem comigo e com a vida, todos os dias, sendo sempre grata por tudo que ganhei e conquistei.

Exit mobile version