Curso da Vida – Prepare-se para viver melhor

A ditadura do “tudo pode”

Ver jovens seguindo tendências ou pautas de condutas disseminadas por meios de comunicação, novelas e filmes já é algo corriqueiro, mas com o aumento do número de velhos/idosos este segmento etário adentrou a maioria dos serviços e espaços sociais. Ainda bem! Seja na política, no esporte, na mídia, nos filmes, em palestras, dentre outras instâncias coletivas, os idosos têm aparecido mais. A longevidade, maior conquista do século, trouxe desafios de igual magnitude. Entre eles definir: Qual o papel do idoso na sociedade?

Esta pergunta é tão séria do ponto de vista individual, quanto coletivo. Por exemplo, se considerarmos idosos de mesma idade, homem e mulher, que ficaram viúvos após terem vivido um tempo semelhante de relacionamento com seus cônjuges, a expectativa em relação a eles pode ser completamente diferente. Dito de maneira grosseira, espera-se que a mulher volte seu foco para a família; e ao homem, recomenda-se que busque um novo relacionamento. É muito curioso e estranho que a sociedade espere comportamentos tão diferentes de pessoas em situação tão similar.

Por vezes trata-se de resultado dos aprendizados familiares; outras, são convenções culturais. Na maioria dos casos, contudo, creio que essas expectativas distintas reflitam dificuldades individuais que são compartilhadas por um grupo de pessoas. Em outras palavras, se eu sou mulher, idosa e acho assustadora a ideia de ficar viúva e ter de pensar em ingressar num novo relacionamento, então talvez seja melhor dizer à minha vizinha que ficou viúva para se “aquietar”, seja qual for a justificativa — desde “há pouco homem no mercado”, ou “já está velha pra isso”, até “imagina que ridículo ter intimidade com outra pessoa”.

Existem muitas pautas sociais perigosas. Entre elas, a de precisar ser um idoso ativo e feliz. Eu tive um exemplo disso com uma aluna na UnATI/UERJ (Universidade Aberta da Terceira Idade), com histórico importante de depressão. Ela gravou uma entrevista contando o quanto passou a se sentir feliz, após começar algumas atividades. É claro que liguei para ela e a provoquei, dizendo: “gostei muita da sua entrevista para determinada mídia, mas se não voltar a assistir as aulas e parar de ficar isolada, vou ligar para lá e dizer que era tudo mentira.”

Atualmente, talvez não faltem pessoas ou “especialistas” dizendo o que deve/pode ou não ser feito por idosos. Além disso, multiplicam-se indicações perversas, muitas vezes contraditórias ou falsamente permissivas. Casos em que se afirmam coisas como: ‘vista-se como quiser, mas não abuse de roupas apertadas ou curtas.’ Ora, se é como quiser não precisa dizer como é. Também tenho ouvido profissionais de saúde atribuírem à idade determinadas doenças ou o funcionamento inadequado de parte do corpo. Daí digo aos meus pacientes e alunos: se a dor no ombro é da idade, e você tem 70 anos, então todos com a mesma idade ou mais velhos deveriam ter esta dor.

Parece que a velhice precisa ser explicada. Talvez ajude realmente ouvir alguém, mais velho ou mais novo, que estude o tema ou trabalhe com idosos. Em geral, o que eu sugiro é: se o conselho do especialista fizer bem, continue; se fizer mal, não hesite em rever a opinião dele, questioná-lo. A outra dica é preferir as recomendações de pessoas que fazem isso há mais tempo, com constância, em vez de a “nova moda”. Cito muitas vezes o Cepe (Centro de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento), mais especificamente o ILC (Centro Internacional de Longevidade), e pessoas como Ina Voelcker, Silvia Costa, Márcia Tavares, profissionais do grupo de Alexandre Kalache, que vêm modificando a realidade de idosos em todo o mundo e atuando para o que talvez seja o maior desafio da velhice, fazer com que o envelhecimento não seja invisível.

Tornar a velhice visível é em certo aspecto identificar-se com isto e com todo o processo em si, em vez de ponderar ou tentar se diferenciar dos outros, pois já somos diferentes por definição: humanos. Frases como “meu corpo é velho, mas minha mente é jovem” vão contra uma ideia positiva de envelhecer, pois se o que está “bom” é associado com o jovem, então o que é “ruim” pertence ao velho. Ou o quase elogio: “Puxa! Você nem parece a idade que tem”, que revela muitas vezes a expectativa de que a idade da pessoa a tivesse tornado muito pior do que realmente está.

Respeitar a heterogeneidade e qualificar a velhice nos seus diferentes aspectos são desafios que podemos cumprir, quando estivermos realmente engajados enquanto coletividade. Senão, talvez fiquemos apenas repetindo frases vazias e supervalorizadas como “a terceira idade é a melhor idade”, “os idosos têm um tremendo valor”, e não façamos nada para efetivamente alterar nossos atos.

É contra toda essa loucura que voto pela DITADURA DO TUDO PODE, para que a velhice possa ser uma porcaria ou uma maravilha, para que o eu-idoso possa assistir à novela ou estar engajado socialmente, tanto faz, mas principalmente para que as pessoas tenham mais chances de serem livres e tomarem decisões que as façam felizes.

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