Curso da Vida – Prepare-se para viver melhor

Não chore por mim, Armênia

De quantas versões é escrita a história de um país?
De quantas dores?
De muitas, dizem os armênios, muitas dores e versões…

Não faltam motivos para uma viagem à Armênia, embora ainda não soubéssemos disto. O mapa dizia que estávamos perto, por que não dedicar três ou quatro dias a conhecê-la? Pensando bem, o que sabemos sobre a Armênia? Que é um país muito católico, com incríveis cruzes esculpidas em pedra…
Foi com apenas isto que chegamos a Yerevan, além de um saco de curiosidade.

Dentro de cada um de nós, toda a humanidade.

Países e pessoas, aprendemos uns com os outros.

Hoje sei que a Armênia tem o cheiro do incenso de suas igrejas iluminadas apenas por velas. Como imagem, tem a cruz armênia, de formato único, rendilhada na pedra. E o som? Ah, tem a Sabre Dance, música de Aram Khachaturian… que nos invade e arrepia. Se tiver acesso à internet, pare agora de ler, procure a música e ouça a força de seus acordes. Já sugeri algo semelhante? Não, né, então, vai por mim…

Kara, nossa guia, nos recebe no aeroporto. Filha de mãe italiana e pai armênio, nos fala de sua terra com desmedida paixão. Nossa folha de informações sobre o país, ora em branco, vai sendo rascunhada…

A Armênia fica numa área montanhosa, na região do Cáucaso, em plena Ásia. É uma das muitas encruzilhadas do mundo ligando o Oriente ao Ocidente. Do tamanho de Alagoas, sua população é a mesma de uma cidade média brasileira – três milhões de habitantes – metade dela na capital, Yerevan.

Fora do país, nove milhões de armênios.
– Cruzes, que desproporção, comento. Por que, Kara?
– Sofremos uma diáspora moderna, você vai entender mais tarde, me diz ela.

Com alfabeto próprio e língua única (passeia entre o grego e o persa), o país tem uma herança histórica e cultural muito antiga. Segundos relatos bíblicos, Noé, passado o dilúvio, encalha sua arca no Monte Ararat. Este povo reclama ser descendente de um dos seus bisnetos. No século 5 a.C. já era um grande país, mas, aos poucos, foi perdendo soberania, com repetidas invasões.

Foi a primeira nação a adotar o Cristianismo como religião de Estado em 301, décadas antes do Império Romano. Muitas das suas relíquias arquitetônicas estão ligadas à religiosidade que é, até hoje, uma grande identificação do povo. Em fins do século 18, uma política do governo turco denominada Pan Turkism pretendia reunir, num mesmo país, denominado Turan, todas as etnias turcomanas, minorias que se encontravam espalhadas por toda a Ásia Central, do Cáucaso à China, do Bósforo ao Mar Cáspio. Como a região, desde antes de Cristo, era armenia, sua população passou a ser o principal obstáculo a este plano. 

Foi com esta introdução que chegamos à primeira visita do dia:
Memorial Armênio do Genocídio. Genocídio? Como assim? Em 1915?
Mas esta palavra só foi inventada na 2ª Guerra Mundial … Não entendo…

Não acredito no que os meus olhos vêem, do que as poucas fotografias contam… Duvido dos meus ouvidos e dos relatos verbais, contados de geração à geração… Numa única noite – 24 de abril – raptaram, torturaram e mataram os músicos, poetas, professores universitários, escritores, intelectuais em geral, os que primeiro protestariam… Em seguida, o exército turco desarma 300 mil soldados armênios – colegas de farda, tinham lutados juntos, defendendo a Russia nos Balcãs – e os fuzila.
Depois, nas vilas e cidades vão atrás dos homens de 15 a 55 anos…
Com as mulheres, os velhos e as crianças restantes espalhadas por toda Anatólia fazem a Grande Marcha, sem água ou comida, atravessando mais de 600 km a pé, em direção leste.

Dos dois milhões de armênios do início do século, sobreviveram 500 mil! Destes, alguns milhares promoveram uma gigantesca diáspora pelo mundo, em pleno século XX, espalhando descendência na Rússia, Estados Unidos, França, Síria, Líbano, Argentina e Brasil, entre outros…

Do território, ficaram com 10% do que tinham: dos 15 estados, três permanecem, perdendo até o chorado Monte Ararat, berço do país e do povo.

Emocionada, nossa guia não se cansa de lamentar:
“Como os turcos, que são muçulmanos, nos tomam um lugar bíblico, sem nenhuma importância histórico-religiosa para eles?”
Choramos com ela, por ela, pela Armênia.
Como é possível que um genocídio desta proporção ainda seja um episódio obscuro e silencioso, exatos 100 anos depois? A Turquia sequer reconhece o que fez. Aliás, nega. Admite a marcha, as mortes, mas atribui a atos de guerra.
“Genocídio é a destruição sistemática de uma nação, um grupo étnico ou religioso.” verbete do Professor Raphael Lemkin.

E como a Turquia não reconhece, seguem-na todos os países com quem ela mantém fortes relações diplomáticas. Os armênios vivem um luto incompleto, que só chegará ao fim quando houver reconhecimento histórico do fato. França, Bélgica, Suíça, Canadá, Itália, Polônia, Uruguai, Suécia e Grécia já reconheceram. A Argentina acaba de fazê-lo, em março último, por meio de uma lei que não só reconhece a existência do holocausto, como declara o 24 de abril o Dia da Tolerância entre os Povos. Bonito gesto, ainda que tardio. As cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, por meio de suas Câmaras Municipais, também reconheceram. O Brasil, como país, não.
Os velhos choram o genocídio.

O povo olha pra frente!

Apesar da história trágica, todos são muito orgulhosos de suas raízes milenares, são otimistas e – acima de tudo – calorosos e hospitaleiros com os visitantes. Ani, uma jovem armenia amiga de nossa guia, Kara, estuda Português em Moscou e nos pediu para fazer as visitas conosco pela oportunidade de praticar o português. Foi muito bem-vinda. Ao fim daquele dia já nos convidava para seu casamento, que ocorreria em 40 dias.

Pra fazer turismo na Armênia é preciso deixar-se impregnar pela fé.

Igrejas seculares, cruzes em pedra, mosteiros e seminários, reverência aos rituais estão em cada passo: atravessando os desertos, à volta do imenso lago alpino de Sevan, cruzando os desfiladeiros ou caminhando pelas cidades.

Não deixe de conhecer:
O Templo de Mihr, em Garni, é o único templo pagão que sobreviveu à cristianização do país, além de ser também o único templo com colunas greco-romanas da Armênia.

O Mosteiro de Khor Virap, monastério do século IV, onde, reza a lenda, São Gregório ficou preso, em seus subsolos, sem luz, por 13 anos, ao cristianizar o país. O contraste de sua construção de pedra com o monte nevado do Ararat é uma atração à parte!

A Catedral de Echmiadzin, construída entre 301 e 303, é o centro do Patriarcado da Igreja Armênia, algo como o Vaticano local. A Igreja Católica da Armênia não responde à Roma, tem patriarca próprio como outras igrejas ortodoxas. Aqui, os fundamentos da religião foram estabelecidos a partir dos ensinamentos dos apóstolos São Judas Tadeu e São Bartolomeu e, entre outras diferenças, não se reza aos santos, apenas a Deus. A catedral foi construída por Gregório, o Iluminador, santo padroeiro do país, o mesmo que ficou preso em Khor Virap.

Outra Catedral imperdível é a de São Gregório, a maior igreja do país, construída para as comemorações dos 1700 anos da Igreja Apostólica Armênia, em 2001. A missa inaugural foi concelebrada pelos Patriarcas da Rússia, Grécia e Armênia, além do Papa João Paulo II.

Mas nem só de igrejas vive o turismo local. A capital é toda decorada por parques, fontes, lindas esculturas, muitas galerias de arte e belos museus.

A Matenadaram (Museu de Manuscritos Antigos) contém 14.000 deles e abriga um enorme acervo de livros, desde antes da Armênia ter seu próprio alfabeto.

O Teatro de Ópera e Ballet de Yerevan, inaugurado em 1933, ocupa um edifício semicircular, lembrando o Coliseu romano. Não perca a chance de ver algum espetáculo, se coincidir com sua estadia na cidade.

A natureza local também é deslumbrante – lagos cristalinos rodeados por montanhas, cidadezinhas alpinas com chalés de madeira, além de vales pontilhados por pessegueiros, macieiras, cerejeiras e romã floridas, que exalam um cheiro adocicado e mágico. Há ainda canyons multicoloridos, montanhas cobertas de neve com estradinhas que passam acima das nuvens, lagoas de águas termais, um dos maiores teleféricos do planeta, florestas de pinheiro e áreas semidesérticas que parecem se fundir com o horizonte. Muita diversidade em tão pouca área, turismo concentrado em história e muito a mais…

Mas de tudo o que a Armênia tem para mostrar ao mundo, a doçura do seu povo é única e contagia.

Um país e muita saudade. Em nós e nos que há muito partiram daqui:
Charles Aznavour (Shahnur Aznavurian). Cher (Cherylin Sarkissian). André Agassi. David Nalbandian. Gregory Peck. Kim Kardashian. Calouste Gulbenkian.

No Brasil, a comunidade armênia reúne entre 90 e 130 mil pessoas, concentrada, principalmente, em São Paulo.
Aracy Balabanian. Stephan Nercessian. João Gasparian.
Brasileiros que a Armênia nos presenteou.

Foram apenas três dias, mas vivemos anos em cada um deles…

Os jovens olham, reverentes, para o passado, mas sabem que é no futuro que mora a esperança. E é nesta direção que marcham, confiantes.
Acho que cantariam a música, se a conhecessem:
“Não chore por mim, Armênia!”
Pessoas são países. Países são pessoas.
As diferenças já não fazem a menor diferença.

Dicas do viajante
Para comprar
Os apreciadores de conhaque poderão saborear diversas variedades da bebida, já que o conhaque aqui fabricado é um dos melhores do mundo. Wilton Churchill era um dos que alardeavam que não havia melhor conhaque que o armênio, mais um excelente motivo para vir por aqui!

Para dormir
Concordo com a Danuza Leão quando diz que “quanto menor o PIB do país, menos devemos economizar no hotel”. Assim, as indicações são:

Marriott Armenia Hotel www.marriottarmenia.am
Excelente hotel em localização única.
Hyatt Place Yerevan yerevan.place.hyatt.com
O conforto do hotel de cadeia americana em plena Praça da República!

Para comer
Um bom site de consultas de restaurantes locais – www.yerevanresto.am
The most tasty khinkaly – ambiente elegante e os melhores raviollis fora da Itália. Fica num subsolo e é fácil passar por ele sem vê-lo.
Ararat Hall – www.ararathall.am
Localizado no Hotel Ararat, o restaurante serve os pratos clássicos da gastronomia armênia, numa viagem de sabores.

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