Curso da Vida – Prepare-se para viver melhor

Um mergulho seco no Marrocos

“Ao contrario dos americanos, para quem tempo é dinheiro, o tempo, pra nós, não custa caro”… Foi assim que entramos no mundo marroquino, onde água é vida e a sociedade se organiza de outra forma. Aqui, a principal moeda de troca não é o dinheiro mas a solidariedade, fundamento muçulmano que não deixa nenhum vizinho passar necessidade.

Se estávamos procurando um país diferente pra conhecer, tínhamos chegado ao lugar certo!

Um pouco menor que a Bahia, o Marrocos é o país africano situado no extremo noroeste do continente. É o país mais ocidental do oriente.

O turismo é a segunda indústria mais importante, atrás do fosfato.

O país é surpresa e fascínio, uma mistura entre a essência secular e o caminho da modernidade.
Rústico e luxuoso.
Muçulmano e judeu.
Liberal e devoto.

Com três mil anos, o país combina herança africana, arquitetura moura e influência europeia.

Foi perseguindo estes contrastes que embarcamos num roteiro pelas cidades imperiais – Rabat, Meknes, Fez e Marrakech – e algumas outras, sem títulos, mas com charme, em busca de um mergulho na essência do país.

Quantas paisagens cabem num pequeno país? No Marrocos cabem muitas: desertos, florestas, cadeias de montanhas, cidades, jardins, vales nevados, praias. E, a humanizar este cenário, um povo com a influência de quatro culturas diferentes: berbere, árabe, francesa e andaluza, sentidas em todos os detalhes, das vestimentas às joias, passando pela gastronomia, religião e arquitetura. Influências tão distintas fazem da história deste país um caldo cultural único, unindo, com harmonia, as culturas do ocidente e do oriente.

Apesar da proximidade com a Europa, os marroquinos são muito orgulhosos de suas raízes africanas.

É justamente neste colorido mosaico de aromas e sabores, de homens e mulheres de djellabah (túnica com capuz) e babouches (um sapato de bico fino, aberto atrás), no chamamento para as orações que vem do alto das mesquitas, que vamos encontrar a alma marroquina.

Tudo isto com a certeza de estar num país seguro, onde o álcool é tolerado para os estrangeiros e as mulheres não são obrigadas a cobrir a cabeça, a não ser que queiram. Contam, com orgulho, que o Rei Mohamed VI baniu a poligamia, fato inédito num país muçulmano.

Este povo hospitaleiro e alegre é excelente anfitrião, sempre com um sorriso no rosto. Adoram o Brasil, entendem tudo de futebol. É só puxar papo que rende…

Um roteiro pelo Marrocos depende sempre do número de dias que você pode dedicar a ele. E pode incluir:

Casablanca é a capital financeira do país, sem nenhum interesse turístico, uma vez que nem o filme foi rodado lá. Sim, Humphrey Bogart e Ingrid Bergman nunca puseram os pés no Marrocos, “Casablanca” foi todo filmado em Hollywood! Mas…
Hassan II, pai do rei atual, queria deixar um legado digno do seu governo e comandou os marroquinos, residentes aqui ou no exterior, numa grande subscrição nacional de coleta de dinheiro para a construção da Grande Mesquita Hassan II.

Inspirada no verso do Alcorão, que diz “o trono de Deus foi construído sobre as águas”, ela foi erigida num promontório, debruçada sobre o Atlântico.

É a terceira maior do mundo, atrás de Meca e Medina, ambas na Arábia Saudita. Abriga, em seu interior, 25 mil fiéis, 75 mil se contarmos os pátios ao redor! “Quero uma grande mesquita no extremo oeste do mundo muçulmano”, disse ele, no início dos anos 80. E assim foi feito!

Sua construção envolveu 10 mil artesãos marroquinos e 3 mil obreiros por 7 anos. Seu minarete, de 200 m de altura, é chamado de Farol do Islã.

As portas são de titânio cinzelado. Paredes e colunas, de mármore trabalhado. O piso, também de mármore, tem calefação para as longas rezas ajoelhadas. O imenso teto de cedro, ora esculpido, ora pintado, abriga 50 lustres de cristal de Murano – único item trazido de fora do país – cada um com 1.200 kg. Com o centro retrátil, à noite reza-se observando as estrelas enquanto um facho de laser aponta para Meca.

Uma das maravilhas do moderno mundo muçulmano, e única mesquita no país aberta a pessoas de qualquer credo, ela inspira o turista a fazer merecida parada em Casablanca.

Ait Ben Haddou é, para muitos, a mais incrível cidade fortificada do Marrocos. Impossível não ficar boquiaberto com sua arquitetura. Lembra uma renda, só que feita de areia.

Uma construção do século 11, à beira de um rio, com quatro, cinco andares, sem nenhuma estrutura – cimento ou madeira – nada que não sejam tijolos de terra misturada à palha.

No interior de seus muros fortificados, um aglomerado de construções urbanas e religiosas, casas, praças e mesquitas de fazer qualquer mortal perder a fala.

Ben Haddou é um ksar, povoado erguido de acordo com a arquitetura da região pré-saariano (ou seja, que antecede o Saara), onde cada uma das casas revela, em detalhes, a importância da família que ali morou.Outros destes são encontrados na Mauritânia e na Líbia, mas nada se compara a Ait Ben Haddou. Uma obra-prima!

Não por acaso, a cidade já foi cenário de dezenas de filmes como Lawrence da Arábia, O Gladiador, Babel, Joia do Nilo e, mais recentemente, Game of Thrones.

Essaouira (ex Mogador) é a mais charmosa praia do Marrocos, a 180 km ao sul de Marrakech.

A sensação de se chegar a esta cidade, depois de tantas emoções nas outras, é a pausa que refresca.

É a hora de tirar o casaco da mala para se proteger do vento.

Antiga fortificação portuguesa do século 16 é um exemplo da tradição europeia em um contexto norte africano.
Consta da lista de locais tombados pela Unesco. Se você, como eu, gosta de compras, o pequeno comércio daqui é um oásis: preços melhores, menos turistas e tudo parece acontecer devagar.

No porto, os barcos são todos azuis e parecem todos iguais.

No almoço, optamos por um dos restaurantes ali perto.

Você escolhe o que quer comer, e, como tudo por aqui, negocia à exaustão, para, no fim, comer camarões, lagostas, lulas ou sardinhas, grelhadas ali na sua frente, por R$ 50,00 para 2 pessoas. Aqui é que é barato demais, ou no Brasil é que é caro demais? Ambos…

No caminho de volta para Marrakech, uma parada na estrada é obrigatória: em alguma cooperativa de óleo de argan, que o mundo conhece como Marrocain Oil.

Afinal, você está aqui, na fonte!!! Seu cabelo e pele agradecem!!!

Fez é a mais antiga das cidades imperiais e capital do país por mais de 400 anos. Foi, ao longo dos tempos, venerada como capital intelectual e espiritual. Tem mais de 500 mesquitas e muitas escolas corânicas, chamadas madrassas.

El-Attarine, considerada a mais bela delas, é uma das poucas que permite a entrada de não muçulmanos.
Como as demais cidades marroquinas, está dividida em duas partes: a Medina (parte antiga, fortificada) e Cidade Nova, com ar europeu, amplas avenidas com palmeiras, que lembram o passado colonial francês.

Mas Fez parece estar parada no tempo, como um portal antigo para a modernidade. Não existe stress em sua medina. O tempo é outro neste emaranhado de vielas. Ele não passa, nem preocupa.

Sua beleza rude atrai feito ímã, e o que, à primeira vista, incomoda – gente demais, pobreza, aglomeração, muitas cores e odores, vai ganhando seu fascínio. Para os acostumados com quarteirões simétricos e farta sinalização, perder-se na medina é uma questão de segundos.

É tão comum ver turista perdido que ajudar os desavisados virou negócio.

É só dar mostra de dúvida que alguém se acerca para dar dica em troca de troco. Ela é um labirinto pouco iluminado de 9.700 ruelas, sem placas ou indicação, cercado por uma muralha de 16 km e o conjunto da obra dá a sensação de termos entrado, por uma passagem secreta, na Idade Média.

Aliás, Fez foi tombada pela Unesco por ser a única cidade a manter a mesma organização original, arcaica. Apesar da desorganização aparente, existe ordem urbanística e regras estabelecidas, embora possa parecer, para nós, apenas um labirinto de ruas estreitas, algumas com apenas um metro de largura, onde o meio de transporte são as mulas e os carrinhos puxados por homens.

Fez é a mais conservadora das cidades imperiais e mulheres de burca olham feio para os que, para os seus padrões, estão com pouca roupa ou muito justas. Assim, seguindo o dress code, evitamos leggins e decotes.

Meknes – É possível ver as muralhas triplas da cidade muito antes de se chegar a ela. Grandiosa e menos visitada que suas irmãs imperiais, Meknes é considerada a Versailles marroquina, sonho do sultão Moulay Ismail, que admirava Luís XIV e não poupou nem esforços nem dinheiro para transformar a cidade na capital de seu império.

Apesar de ter mais de 500 mil habitantes e muita história, continua sendo muito mais uma cidade berbere do que um centro cosmopolita.

O declínio de Meknes veio com a morte de Moulay Ismail, mas a cidade mantém sua força graças à agricultura crescente de azeitonas, cítricos, azeite e vinho. Daqui saem os melhores azeites extra virgem do país, com certificado e reconhecimento.

Perto dali vale a pena conhecer as ruínas de Volubilis, o mais importante sitio arqueológico do Império Romano na África.
São estradas, Fórum, Capitólio, Basílica, o Arco do Triunfo, a prensa das oliveiras e dezenas de casas em ruínas bem conservadas.

Sua entrada é pela porta sudoeste, pois deste ponto percebe-se a razão daquele impressionante conjunto de ruínas ter sido escolhido por Martin Scorcese como principal locação para “A última tentação de Cristo”.

Nosso roteiro pelo Marrocos não deixou de fora o deserto.

E, numa tarde, fomos deixando cada vez mais longe o barulho e o burburinho da cidade. A estrada avança, silenciosa. Atravessa os Atlas, contorna montanhas verdes, marrons, abandona as planícies áridas, come terra, poeira, até invadir o Deserto do Saara num mar de dunas sem fim. Nem começo.

O imaginário ganha forma, tamanho e cor. Laranja.

O grupo de seis transparece uma mistura de ansiedade e excitação por se dirigir à borda do lendário, misterioso, enigmático, imenso Saara.

Cada um tem uma razão e um porquê para ir tão longe.

A viagem é pura emoção à partir de Merzouga, de onde saem possantes 4X4 rumo a uma aventura inesquecível.

De oásis em oásis, o carro levanta areia, chacoalha, desvia aqui e ali da vegetação, tropeça nos buracos. Quando a primeira duna aparece, surgem os camelos. A gente enrola o turbante na cabeça e sai, deserto adentro, em fila marroquina. Eles sobem e descem as dunas, com seu andar elegante.

Em meio ao mar de areia, é fácil perder o senso de direção, sem qualquer sinalização, apenas com o sol dando uma idéia da localização.

Pergunto ao guia, preocupada, se ele sabe onde está. Ele dá uma gargalhada e responde: “estou em casa!”

O sol alto brinca com as dunas, que ganham contornos e movimento, luz e sombra. A certa altura os berberes param os animais e estendem tapetes na areia, à espera do pôr de sol. Nos acomodamos e, o que antes era burburinho, diminui até o silencio total. Impossível, neste momento, não entrarmos em reflexão. O horizonte infinito, o pôr de sol em tons de vermelho são um convite à meditação. Uma passagem bíblica relata como Saulo descreve sua caminhada pelo deserto: “Tenho a impressão de estar num templo de paz imperturbável, fora do mundo…” É exatamente assim.

O silêncio embala o ocaso. Ele grita, quase um incômodo de paz.

Já no acampamento nos reunimos em torno da fogueira.

Compartilhamos histórias, brindamos com chá, fazemos brincadeiras uns com os outros, trocamos impressões, saudades e e-mails enquanto o jantar não é servido. O cordeiro e o couscous estão maravilhosos e animam mais conversas.

Deitamos, lado a lado, no topo de um duna para esvaziar a cabeça de pensamentos e encher os olhos com o céu pontilhado de estrelas que, de tão perto, arriscamos pegá-las. Não preparei como devia o meu saco de desejos, tamanha a quantidade de estrelas cadentes!

Olho para o meu grupo, um casal de italianos, duas alemãs, uma amiga e eu e sei que não verei os estrangeiros nunca mais.

Não sei se é o vinho, o jipe 4X4, os camelos, ou a simples felicidade de dividirmos estas experiências, de estarmos ali, tão vulneráveis e tão sós, a verdade é que este tipo de viagem nos faz compartilhar uma intimidade só encontrada entre velhos amigos, com completos desconhecidos!

Para muitos poderia ser apenas uma paisagem inóspita e árida.

Para nós, foi uma incrível experiência, um mergulho seco no Marrocos!

E boa viagem!
Inshala! (se Deus quiser!)

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