Curso da Vida – Prepare-se para viver melhor

“Valeu por você existir, AMIGO”

‘’A amizade, nem mesmo a força do tempo irá destruir. Somos verdade, nem mesmo este samba de amor pode nos resumir. Quero chorar o seu choro. Quero sorrir seu sorriso. Valeu por você existir, amigo’’.

Os versos da música Amizade, do Fundo de Quintal, retratam bem o sentimento que os atores Jorge Coutinho e Milton Gonçalves têm um pelo outro. Eles se conhecem há mais de cinquenta anos, graças à profissão, e sempre estiveram lado a lado.

Hoje, formam uma ótima dupla no SATED/RJ (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Rio de Janeiro). Jorge Coutinho é presidente e, Milton, secretário-geral.

Em entrevista exclusiva ao portal Curso da Vida, eles falam um pouco sobre a profissão e a amizade que os une. É a nossa homenagem ao Dia do Amigo!

Curso da Vida: Como vocês se conheceram?
Jorge Coutinho: Nos conhecemos através do cinema
Milton Gonçalves: Quando nos conhecemos, já éramos atores. Trabalhamos muito juntos. Fizemos o filme “Gimba”, filmado na Mangueira.

CV: Há quanto tempo?
JC: Conheço Milton há mais de meio século.
MG: Conheci Jorge quando éramos solteiros, aqui no Rio de Janeiro. Mais de cinquenta anos. Nos anos 64.

CV: Como cada um descobriu sua vocação e começou a carreira de ator? Como foram as trajetórias de vocês, até chegar ao palco?
JC: Fui assistir a uma peça e vi o Sergio Cardoso e como ele conseguia aglutinar as pessoas. Resolvi, então, me matricular numa escola de artes cênicas.
MG: Quando nos conhecemos, já éramos atores.

CV: Vocês já fizeram algum trabalho juntos?
JC: Já trabalhamos em algumas peças e novelas. Fui dirigido pelo Milton num caso verdade no qual eu era o protagonista.
MG: Ao longo da vida, trabalhamos juntos muitas vezes.

CV: Quais os momentos mais marcantes – por difíceis, sublimes ou engraçados – da história da amizade de vocês?
JC: No filme “Gimba”, quando a polícia nos confundiu com assaltantes e queria dar tiro na gente. Foi um momento terrível. Isso é um pouco da visão em relação ao negro. Esse filme foi em 1961, direção do Flavio Rangel.

CV: Já tiveram alguma briga feia?
JC: Só babaquice de jovens.
MG: Nunca brigamos. Só discutimos. Uma vez fui atrás dele. Pura bobagem…

CV: Essa amizade tem uma rotina? Vocês se encontram, se telefonam, saem juntos, se escrevem, tem algum ritual de amigo?
JC: A gente se fala muito. Eu casei o Milton. Eu apresentei a esposa para ele. Sou responsável pela harmonia da família Gonçalves – Pucú.
MG: Na medida do possível a gente fala. Trabalhamos juntos no SATED.

CV: Os dois têm uma história importante na militância contra o racismo e em defesa da cultura afro-brasileira. Como foi o encontro político dos dois e qual a importância dessa militância para a amizade?
JC: O chamado cinema novo era um cinema de militância. Quer queira, quer não, as pessoas que pensam num mundo melhor mais tarde iriam se encontrar. Nós nos encontramos em comícios onde Milton era o mestre de cerimônias do Doutor Ulysses. Até a queimada da Une, em 1964, eu estava no Lamas e, Milton, na porta da Une. Aí chegaram os militares atirando e jogando bombas. Chovia torrencialmente, Milton estava segurando o Haroldo de Oliveira, que foi atingido na ocasião.
MG: O que é bom é sentirmos, acima de nossas discordâncias, um carinho muito grande um pelo outro.

CV: Jorge Coutinho esteve exilado durante a ditadura militar. O que provocou o exílio? Por quanto tempo e como foi esse período? Vocês já eram amigos? Mantiveram o contato?
JC: Não. Porque aí houve uma separação. Os amigos políticos se afastavam por causa da polícia.

CV: Ambos atuaram em trabalhos de resistência e de conteúdo político, desde os tempos do Opinião, do Teatro de Arena, do Cinema Novo. Coutinho, segundo a Wikipedia, protagonizou o primeiro beijo em novela entre um homem negro e uma mulher branca, na novela Passo dos Ventos, em pleno 1968. Milton Gonçalves, em 74, outro ano de grande repressão, fez um bandido transexual no Filme Rainha Diaba. Como foi a reação da mídia e do público nessas duas ocasiões? Houve avanço da sociedade em relação ao respeito aos direitos! Como explicar o discurso de ódio que se manifesta nas redes sociais e o ressurgimento de visões de mundo tão francamente conservadoras?
JC: Foi uma reação que eu nem percebia. Lutávamos por um país igual e, de repente, a gente se vê numa situação de preconceito racial. Isso é meio maluco. Fiz uma pergunta ao Brizola, na época em que era governador do Rio Grande do Sul, sobre qual seria a situação do negro dentro de um regime socialista. Ele nos mandou voltar para a África. Essa ainda é a visão que as pessoas têm do negro. Numa novela com 50 pessoas tem dois negros. Nós somos 52% da população. Existe sim, como aconteceu recentemente com a apresentadora do clima no Jornal Nacional, a Maju (Maria Julia). Teve o linchamento de um homem no Maranhão e vários outros exemplos. Enfim, a luta continua.
MG: Ganhei todos os prêmios de cinema com o “Rainha Diaba” na época. Aplausos total.

CV: Ao envelhecerem, muitas pessoas dizem sentir uma tendência ao isolamento, com um afastamento gradual dos amigos. Vocês percebem este movimento? Como evitar essa solidão?
JC: Não percebo este movimento. Vejo que meus grandes amigos estão partindo para outro mundo e fico triste. Os meus amigos estão cada vez mais juntos.
MG: Não me sinto uma pessoa solitária. Tenho amigos que gosto e sempre os encontro. Se eles não vem a mim, eu vou até eles, se valer a pena, é claro.

CV: O que é mais importante na relação de amizade? Milton Gonçalves por Coutinho
JC: É você se preocupar com o próximo, saber como está o outro. Tomar drinque. Um sorriso, jogar conversa fora e falar do passado, das mulheres. Eu já fiz, eu já fui (risos)…
MG: Verdade.

CV: Como Milton Gonçalves descreveria Jorge Coutinho? E como Jorge Coutinho descreveria Milton Gonçalves?
JC: Milton é um ser humano extraordinário, excelente pai, chefe de família, muito preocupado com seus filhos, dando para os seus o que não tivemos a oportunidade de ter.
MG: Um amigo irmão.

 

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