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Ativismo virtual só é eficaz se houver engajamento no mundo “real”

Apenas apertando um botão, uma pessoa pode apoiar uma série de iniciativas na internet. No entanto, a mobilização online só terá sucesso se estiver lastreada em algo igualmente forte no mundo “real”, alerta Gustavo Gindre, jornalista, professor e integrante do Coletivo Intervozes. Ele lembra que “a mobilização virtual deve ser parte de um processo maior e não uma substituta para os conflitos do mundo real”.

Ao analisar as possibilidades e as limitações do uso da internet e das redes sociais como ferramentas de mobilização social, ele afirmou que o alcance das mobilizações via internet fica comprometido por dois fatores fundamentais: a enorme influência da TV aberta no país, especialmente da Rede Globo, que “exerce um poder no Brasil sem paralelo em outras democracias”, e o fato de a internet ainda ter baixa penetração no país. “Para a maioria da população brasileira, ainda é a TV aberta que define nossas pautas sociais”, ressalta.

No entanto, Gindre lembra que a internet é fundamental para a construção de uma sociedade mais democrática, desde que se mantenha uma mídia democrática; que haja universalização de seu uso; que todos tenham acesso à web em velocidades compatíveis com um acesso pleno, e que aprendamos a usar melhor o potencial da rede para promover a articulação social.

P. – Como crescimento das redes sociais, como Twitter e Facebook, tem modificado a forma como as pessoas se mobilizam em torno de causas comuns?
R – A internet possui uma característica fundamental que a diferencia de todos os demais meios de comunicação. A internet é inerentemente dialógica e ninguém está permanentemente condenado a ser apenas um receptor das mensagens dos outros. Em alguma medida, todos podemos ser emissores e isso é uma mudança radical.
Já o caso específico das redes sociais apresenta uma enorme vantagem, ao aproximar as pessoas por interesses, o que é fundamental a partir do momento em que mais de um bilhão de pessoas estão na internet. Essa proximidade por interesse permite encontrar mais facilmente as pessoas que estão dispostas a trocar informações sobre os mesmos assuntos.

Contudo, as redes sociais apresentam, também, enormes armadilhas. Em primeiro lugar, o fato de que a seleção do conteúdo é feita por algoritmos cujas regras desconhecemos e que operam visando monetizar nossa permanência nas redes sociais através da venda de espaço publicitário. Em segundo lugar, há a questão da privacidade. As redes sociais são os chamados “jardins murados”, cujas regras (inclusive de privacidade) são definidas pelas empresas donas dessas redes.

P – Alguns especialistas chamam o ciberativismo de ativismo de sofá, num certo tom pejorativo e dizem temer o enfraquecimento das formas tradicionais de protesto. O que pensa a respeito?
R – De fato, é plenamente possível que, a partir de um sofá, uma pessoa acabe se envolvendo em uma série de iniciativas virtuais. Essa conduta pode ser boa ou ruim. Se houver a ilusão de que tais iniciativas substituem a articulação e o engajamento no mundo “real”, então não há dúvidas de que teremos sérios problemas.

Por outro lado, esse ativismo virtual pode ser um importante elemento para se somar à militância no mundo “real”. Imaginemos, por exemplo, uma iniciativa contrária à construção de uma hidrelétrica que vai inundar uma área indígena. O uso das redes sociais pode ser importante ferramenta de mobilização, tanto para ampliar o alcance da luta quanto para constranger os tomadores de decisão. No entanto, as iniciativas na internet jamais poderão substituir a luta concreta, no mundo real, dos povos atingidos por essa barragem.

P – Muitas mobilizações que começaram online tiveram efeitos práticos consistentes, como a queda de Hosni Mubarak no Egito. No entanto, a socióloga turca Zeynep Tufekci questionou a eficiência dos protestos recentes em países como Turquia e Brasil que, em sua opinião, não têm conseguido organizar-se para atuar no sistema político após a explosão inicial. O que é necessário para que a pressão política surgida em mobilizações online e em manifestações de rua perdurem no longo prazo e consigam obter conquistas palpáveis?
R – Uma mobilização online só terá sucesso se estiver lastreada em algo igualmente forte no mundo “real”. Mesmo no caso da chamada “Primavera Árabe”, os resultados posteriores, por exemplo, à queda do ditador egípcio ficaram bem aquém do que se esperava. Isso porque, no mundo real, a articulação política daqueles jovens não foi capaz de se contrapor ao fundamentalismo sunita, de um lado, e aos militares, de outro lado. Esse é o ponto inescapável: a mobilização virtual deve ser parte de um processo maior e não uma substituta para os conflitos do mundo real. Caso contrário, acabarão derrotadas.

P – No Brasil os meios de comunicação estão concentrados nas mãos de poucas famílias. Você acha que esse fato dificulta que as mobilizações sociais se transformem em conquistas práticas? Por quê?
R – No Brasil, temos vários problemas. De um lado, estamos nas mãos de um oligopólio privado dos meios de comunicação que não tem paralelo em nenhum outro país dito democrático. A Globo exerce um poder no Brasil sem paralelo em outras democracias. Entre outras coisas, isso faz com que a tevê aberta ainda tenha uma enorme influência no país.

De outro lado, a internet, embora tenha crescido, ainda tem uma baixa penetração. E mesmo aqueles que a utilizam o fazem em geral por acesso móvel e/ou de baixa velocidade. Esse conjunto de coisas tem limitado consideravelmente o alcance das mobilizações via internet. Para a maioria da população brasileira, ainda é a tevê aberta que define nossas pautas sociais.
Contudo, é preciso reconhecer que isso tem mudado. Talvez não tanto quando gostaríamos, mas diminui o poder dos meios de comunicação tradicionais.

P – Nesse cenário, como vê a mídia livre? Qual a importância dessa mídia na articulação de mobilizações sociopolíticas?
R – Mídia livre é um conceito muito amplo. Ela reúne, de um lado, o desafio ainda não vencido da democratização dos meios de comunicação eletrônicos “tradicionais”. Por exemplo, é fundamental para a realidade brasileira democratizar a tevê aberta. Não é possível atualmente concentrar todas as nossas esperanças apenas na internet.

Por outro lado, a internet é com certeza uma ferramenta fundamental para a construção de uma sociedade mais democrática. Nesse sentido, há três tarefas importantes. É preciso garantir que a internet se mantenha como uma mídia democrática. Por isso, lutas como a da neutralidade de rede e da privacidade são tão importantes. Em segundo lugar, é fundamental garantir a universalização da internet. Garantir que todos tenham acesso à internet e em velocidades compatíveis com um acesso pleno. Por fim, é preciso saber usar melhor o potencial da internet para promover a articulação social.

Hoje tenho a impressão que a internet, e as redes sociais em geral, estão tomadas por um debate histérico, com pouca informação e que quase nada contribui para a formação e a articulação das pessoas. São três enormes desafios.

Fonte – Rede Mobilizadores por Eliane Araújo, edição Silvia Sousa

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