Curso da Vida – Prepare-se para viver melhor

Lágrima mais que especial

A primeira coisa que nos vem à mente quando pensamos em lágrimas é que elas revelam nossas emoções e, por isso, são tão associadas ao universo feminino. Mas pouco sabemos sobre a importância da lágrima para a saúde dos olhos e para o equilíbrio do corpo como um todo.

Formado em medicina pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro, em Uberaba, oftalmologista pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia e especialista em Plástica Ocular e Órbita pela USP, o doutor Abelardo pratica a medicina como sacerdócio. É cirurgião, mas muitas vezes desaconselha essas intervenções em situações que outros médicos não hesitam em fazê-las.

O ressecamento dos olhos está associado à menopausa?
O ressecamento dos olhos não é uma doença, mas uma síndrome. As doenças têm causa conhecida. As síndromes têm várias causas, até desconhecidas pela medicina. Certamente, a menopausa é um dos fatores, por causa da alteração hormonal. Uma evidência disto é que a síndrome é mais comum nas mulheres. Nos casos associados à mudança hormonal, vemos que ela se manifesta por volta dos 40 a 50 anos, o que coincide com a menopausa.
Mas não está provado que a alteração dos hormônios seja uma causa definitiva. Se fosse assim, bastaria fazer reposição hormonal. Mas, não é tão simples. A reposição exige critérios e só é recomendável para os casos mais críticos. Temos que lembrar que a diminuição hormonal é da natureza e que o envelhecimento é um processo natural.

Mas a reposição hormonal reverte a síndrome?
Pode amenizá-la, mas não cura. Uma vez desencadeado o processo e instalada, a síndrome não tem cura. Os diversos tratamentos são paliativos, e permitem ao paciente conviver com ela.

O ressecamento dos olhos é resultado da diminuição da quantidade ou da qualidade da lágrima que produzimos?
Existe a síndrome tanto por deficiência da quantidade como pela de qualidade. A lágrima tem composição aquosa, gordurosa (lipídica) e mucínica. Esta última mantém a lágrima grudada no globo ocular e impede que escorra imediatamente após ser produzida. As glândulas que produzem a parte gordurosa ficam situadas nas pálpebras, na raiz dos cílios. Com a inflamação dessa glândula e a deficiência de produção lipídica, a lágrima evapora mais rápido. Se há alteração na superfície ocular como um todo, pode ser afetada a produção do componente que faz a lágrima “grudar” no olho, e ela vai evaporar mais rápido, resultando também em ressecamento.
Isso estimula a produção lacrimal reflexa e pode causar lacrimejamento. E, por fim, pode haver alteração da glândula lacrimal principal, que produz a parte aquosa. Neste caso, a deficiência será na quantidade da produção. Resumindo, o paciente pode ter ressecamento e lacrimejamento dos olhos ao mesmo tempo, o que é um aparente paradoxo. O lacrimejamento, por excesso de produção lacrimal (resposta reflexa ao ressecamento), ou por problema de drenagem no canal por onde ela escorre.

A cirurgia plástica das pálpebras pode afetar a produção de lágrima?
Faço cirurgias plásticas de pálpebra, mas dependendo do grau de “secura” dos olhos, indico uma cirurgia moderada ou a contraindico em casos mais graves. Sei que a cirurgia melhora a estética, deixa a pele mais esticada, mas nem todos devem se submeter a ela, porque a plástica retira parte da pele que confere certa proteção ao olho. É normal que, após a cirurgia, o paciente fique com a pálpebra um pouquinho aberta durante o sono e, dependendo do estágio da Síndrome do Olho Seco, pode ter agravados os sintomas do ressecamento.

Que outros fatores, além do hormonal, causam ressecamento dos olhos?
A síndrome está associada a hábitos de vida, ao ambiente de trabalho, ao uso de medicações, de computador e até à leitura. Com o prolongamento da vida, consumimos cada vez mais remédios. Nem todos os efeitos colaterais das novas medicações são devidamente conhecidos. Por isto, as medicações mais antigas e amplamente pesquisadas são mais seguras. A Síndrome do Olho Seco é comumente confundida com alergia, porque causa coceira e devido aos olhos vermelhos. Os alergistas receitam colírios ou antialérgicos por via oral que diminuem a coceira, mas, no médio e longo prazos, agravam o ressecamento dos olhos. Está provado que os antialérgicos, com o uso contínuo, diminuem a produção lacrimal.
Outros medicamentos que contribuem para o problema são alguns anti-hipertensivos e antidepressivos. Se usados por muito tempo, eles ressecam as mucosas e alteram a produção lacrimal. Isso inclui os remédios “para dormir”, que são cada vez mais prescritos pelos médicos; e, às vezes indicados pelos próprios pacientes aos amigos, em situações de estresse.

Ler muito provoca ressecamento?
Há uma crença popular de que se usar muito a vista, ela gasta. Claro que não se trata disto, mas quem fica por muitas horas seguidas diante do computador, da TV, ou lendo, involuntariamente pisca menos e o piscar é fundamental para proteção da córnea, porque distribui a lágrima pela superfície ocular.

Em que situação o ambiente de trabalho causa ressecamento dos olhos?
O ar condicionado, sobretudo o central, é prejudicial aos olhos. Quando fiz minha residência médica, no início dos anos 90, essa síndrome quase não existia. Coincidentemente, as famílias não tinham ar-condicionado em casa. Hoje em dia, há ar-condicionado no trabalho, nas casas, nos carros e no transporte público. Não há como evitá-los, mas podemos aliviar seus efeitos nos olhos.

Se não há cura para a síndrome, como tratá-la?
A primeira providência é buscar o diagnóstico correto, já que muitas vezes os sintomas são confundidos com os da alergia. É preciso evitar o uso contínuo de colírios “branqueadores”. Os pacientes recorrem a tais colírios por causa dos olhos vermelhos. Eles são à base de nafazolina, que é um vasoconstritor. Dão alívio, um frescor imediato, mas, no longo prazo, prejudicam as células que ajudam na lubrificação dos olhos. Eles podem ser usados pontualmente, mas não por longo tempo.
Outra providência importante é usar umidificadores de ambiente para minimizar os efeitos do ar-condicionado. Há muitas opções de aparelhos, de baixo preço, em farmácias e supermercados. Na ausência deles, pode-se usar uma bacia com água ou até uma toalha molhada para umedecer ambiente enquanto o ar-condicionado estiver ligado. Para os casos mais graves da síndrome, há medicações para estimular a produção de lágrima e diminuir o escoamento pelo canal lacrimal. Há vários níveis de tratamento, de acordo com a gravidade.

E há como prevenir o surgimento dessa síndrome?
Já que não há tratamento curativo específico, devemos cuidar do corpo, ter uma vida mais saudável, menos sedentária. Os exercícios físicos ajudam todo o corpo, inclusive os olhos, porque também ajudam no equilíbrio hormonal. Nossa alimentação deve ser a mais diversificada possível. Se não há doença sistêmica — como gota, hipertensão, diabetes, temos de usar o bom-senso e comer de tudo.
A receita é a moderação e uma psique saudável: fazer o que se gosta, evitar aborrecimentos e buscar ser mais feliz. Quem não suporta o trabalho que faz ou o ambiente em que vive, precisa buscar uma solução, ou acabará com doenças psicossomáticas e autoimunes que também afetam os olhos.

Fonte – Mulheres 50+

Exit mobile version